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Um feriado em Minas Gerais

Minas Gerais está no roteiro dos pontos turísticos do Brasil, principalmente, por suas cidades históricas e o sempre imbatível Inhotim, o maior museu aberto de arte contemporânea mesmo que a tragédia de Brumadinho tenha afastado os visitantes de lá por alguns meses. Pois, foi exatamente o fato de virar o jogo e de alguma forma, ajudar a cidade se erguer que estava querendo voltar lá e finalmente, apresentá-lo ao meu marido.

Com isso em mente, saímos do Rio para aproveitar 4 dias de feriado de Corpus Christi em terras mineiras. Sabendo que o trajeto seria longo, dividimos a viagem em pequenas paradas o que estendeu ainda mais o tempo gasto e fez com que ficássemos pouco em cada lugar escolhido. Assim temos motivos para voltar  mais vezes :)

Cestinha de queijo de parmesão
Nosso primeira parada foi ainda no Rio. Almoçamos no restaurante Chateaux des Montagnes, na entrada de Itaipava. Abrimos com uma cestinha de queijo parmesão com cogumelos e sopa de abóbora e gorgonzola. A sugestão do chef do dia era stinco de vitela com risoto de açafrão e raspas de limão siciliano e de sobremesa, ficamos com o souflê de goiabada com sorvete de goiabada e calda de queijo. Pareceu mais um petit gateau, mas era muito saboroso.

Dali, seguimos direto para Tiradentes. A BR-040 é uma estrada de pistas duplas separadas até Juiz de Fora. Depois, alterna trechos duplicados,  pista única, sem acostamento, estreitamento de pistas em cima de viadutos e curvas, muitas curvas. Depois,  pegamos a BR-265 que é mais rudimentar ainda. Felizmente não tinha trânsito e completamos o trajeto em 3 horas.

Durante o caminho, começamos a procurar um pousada para pernoitar e acabamos reservando o último quarto da Vila Paolucci. O lugar é belíssimo e tem o leitão à pururuca mais famoso da cidade, o do Luiz Nery, normalmente servido aos sábados (é bom checar e reservar antes de programar a viagem). Com valores de hotel 5 estrelas, a hospedagem só vale a pena se tiver tempo de desfrutar os jardins, piscina e lago. No nosso caso, foi um desperdício. E acredito, que o melhor de Tiradentes é mesmo andar pelas suas ruazinhas, visitar as igrejas e comer nas mil opções que tem por lá, do que ficar descansando dentro de uma pousada.
Copa de lombo

A gastronomia mineira é a forma mais emblemática de dizer que você é bem-vindo. Lembra muito a Angatu. O nome em tupi-guarani quer dizer "bem estar, felicidade e alma boa". Talvez, possamos trocar esse último por comida boa. Acho que os índios perdoariam e até concordariam depois de experimentarem as delícias do chef Rodolfo Mayer. Existe um menu degustação, mas optamos pelo à la carte e não erramos em nenhum prato. Começamos com o couvert divino com pão da casa - feito apenas de farinha e água e servido quentinho; geléia de morango com pimenta; pesto de tomates secos; caponata de jiló; mel; manteiga da casa e queijo artesanal mineiro. As entradas foram biscoito de cebola assada, ricota e picles que estralava na boca e barriga de porco com picles de maçã verde e goiabada ácida servida no pão de queijo, cujo sabor não vou esquecer nunca. Como principal, dividimos, o Prato da Boa Lembrança - Copa de Lombo cozida por 15 horas, feijão branco e abóboras. Vale ressaltar que Rodolfo circulou por cada mesa conversando com os clientes e explicando suas criações e que o hostess fez uma daquelas pequenas gentilezas que a gente não esquece: como chegamos sem reserva, ficou com nosso telefone e sugeriu um passeio pela cidade enquanto aguardavámos a mesa :) Nada de ficar sentado por lá sem fazer nada, esperando a nossa vez que nem demorou tanto, já que nos entretemos com os lindos tapetes da festa religiosa que tinha acontecido à tarde na cidade.
tradição da mesa italiana, acrescentado de uma boa prosa e muita cordialidade. Era muito comum sermos cumprimentados na rua pelos moradores como velhos conhecidos. Nosso jantar foi no

A famosa goiabada frita
Enquanto jantávamos, começamos a receber mensagens dos amigos nos mandando a conhecer o restaurante Tragaluz e comer a sobremesa de lá. E conselho de amigo, a gente segue, né? Pensa em um lugar fofo, cheio de memórias afetivas, repleto de pequenos detalhes? É lá. O cardápio é uma aula de storytelling para usar um termo da moda - só não coloquei na bolsa para levar de lembrança, pois não tenho coragem para "pequenos furtos", mas que deu vontade, deu. Ainda bem que tem a versão on-line.  Nada que está escrito é gratuito. Tudo tem um estorinha: desde como nasceu o restaurante com a Tia Zê que passou o comando para os sobrinhos Pedro e Patrícia até as descrições dos pratos sendo os mais famosos os de galinha d'angola - símbolo da cidade e a goiabada frita, que foi a nossa sobremesa, prensada em castanha de caju granulada, frita na manteiga e servida em cama de catupiry.

O dia seguinte foi dia de turismo e comprinhas. Conhecemos os pontos mais visitados como o Chafariz de São José; a Igreja Matriz de Santo Antônio com seus quase 500 quilos de ouro e uma representante digna do melhor barroco brasileiro;  as estátuas de Tiradentes; o Museu de Sant'Ana com uma magnífica exposição de estátuas da mãe de Maria que está abrigada na antiga cadeia de cidade e Igreja de São Francisco de Paula, situado em um morro na frente da rodiviária.

De lá, descemos em direção oposta ao centro histórico ruma a casa onde se vende o doce de leite do Bolota.  A receita foi criada José de Oliveira, que tinha o apelido “Bolota”, que sofria de diabetes e não podia ficar sem a comer a iguaria mineira. Para resolver essa questão, ele abusou do leite e economizou no açúcar: são 15 litros por 200 gramas para cada receita. O segredo é dar o ponto certo e por isso, a produção é pequena e caseira. Depois da morte do Bolota, em 1989, sua esposa Célia assumiu as panelas e as filhas cuidam da venda feita após uma degustação completa de todos os produtos. A casa é meio escondinha e tem que bater a campainha para entrar. Perguntei porquê não se mudam mais para o centro e a resposta é simples: não dão conta de atender os atuais clientes, imagine se estivessem no meio da muvuca.

Bem pertinho dali, está o Viradas do Largo, também conhecido como restaurante da Beth. Há 25 anos, o local figura entre os melhores de cozinha regional. Fui até lá comprar linguiça que ela mesmo produz e também para conhecer a carne na lata que faz por encomenda e o frango com ora-pro-nobis,  planta popular em Minas, da família dos cactos.  A chef é autoditada e se mudou para Tiradentes há mais de 20 anos. Sua paixão pela cozinha, vem d o local onde nasceu, região da Serra da Canastra, onde se produz os melhores queijos do Brasil.

A explicação da Aline
Aliás, os queijos, cuja qualidade é reconhecida e premiada no mundo todo, nos compramos e degustamos no Ouro Canastra Q'jaria, na Rua Direita. Aline, a jovem proprietária,  é super simpática nas explicações e você acaba saindo de lá com uma quantidade de queijos além da conta, fora as goiabadas, geléias, pastinhas e até uma queijeira. Eles entregam em  todo o Brasil fazendo os pedidos pelo telefone (32) 98871-1389. Nas recomendações de como cuidar dos curados, que vem junto com os produtos, o último item exemplifica bem o estilo mineiro e diz: o melhor local para conservar o queijo é dentro da barriga :)

Antes de partir, fomos conhecer o ateliê de Nicia Braga. Tinha ficado encantada com suas peças no Angatu, principalmente os pratos quebrados ao meio. Chegando lá, foi mais que um dedo de prosa com a simpática ceramista. Também autodidata, ela contou que o barro entrou na sua vida como plano C. O primeiro era ser jornalista, carreira interrompida ainda na faculdade com o golpe de 1964.  Aí começou a dar aulas de inglês. Com o nascimento dos filhos, foi procurar uma
Coleção Prato Metade
atividade que pudesse ser feita em casa e caiu na cerâmica onde está até hoje ganhando prêmios e participando de muitas exposições. A coleção Prato Metade - Metades para um chefe inteiro, nasceu no ano passado quando Rodolfo procurava algo diferente para servir as iguarias no restaurante. Vendo os pratos que rachavam no forno, ela teve a ideia de aproveitá-los. O que torna ainda mais exclusivas as peças é que elas só existem se realmente quebram no processo. Caso contrário, tem que esperar uma próxima fornada. Isso quer dizer 5 horas na primeira etapa e mais 15 de resfriamento. Eu tive a sorte de encontrar dois prontos. Além dos utilitários pratos, bandejas e potes, Nicia produz belíssimas obras de arte, vasos e quadros. Reserve pelo menos meia hora do seu dia para conhecê-la.

Partindo dali, como não havíamos almoçado, optamos por um lanche da tarde no Café com Prosa que fica na estrada rumo a BH, na altura do munícipio Entre Rio de Minas. Comemos um sanduíche com linguiça e um pão de queijo excepcional. Crocante por fora, molinho por dentro e bem quentinho com uma vista linda para o vale. Reserve uma paradinha técnica por lá.

Chegando a Belo Horizonte, caímos no domínio de Léo Paixão. Ele é o chef mineiro com os prêmios mais importantes da área de culinária: Chef do Ano Prazeres da Mesa, 50 Best Discovery America Latina, Chef Revelação Guia 4 Rodas, além de dezenas de premiações regionais. Formado em medicina e casado com um médica, deu a guinada para os panelas na França onde estudou na Escola Superiora de Gastronomia Francesa (Ferrandi).
Barriga de porco - Crédito: site do bar
Hoje, comanda o Restaurante Glouton e Nicolau Bar da Esquina. E claro, fomos nos dois. O bar fica na zona leste de BH, região boêmia, mas cercada de casas e por isso, fique atento: meia-noite já está fechado. O ideal é reservar antes, mas fizemos um esquenta e chegamos lá por volta das 22h, e então, não demorou tanto assim para conseguirmos uma mesa. Voltado para a chamada baixa gastronomia, os petiscos estão na categoria altíssima gastronomia. Experimentamos de tudo: torresmo de barriga com caramelo de missô, dedo de moça e cerefólio, croquete de rabada; tempura de batata doce com emulsão picante de acelga fermentada e paprica; pastelzinho de camarão; linguiça feita na casa com papada de porco e molho de tucupi e por aí vai. Tudo acompanhado de drinques inventivos como Ginacreditável (Gin, mel, suco de limão cravo, agustura, gengibre, club soda) ou Me Joga na Parede (Gin, licor de pêssego, suco de limão, Amaretto, Grenadine, suco de abacaxi e suco de laranja), ainda tem um cerveja Wäls com um rótulo especialmente para o Nicolau: tipo puro malte do estilo Belgian Pale Ale com aromas do cítrico ao floral. Dá para se divertir...

Na noite seguinte, foi a vez da opção mais refinada com uma pitada de cozinha francesa com todos os ingredientes da tradicionais do bom fogão mineiro. Começamos com a degustação dos 10 petiscos que fazem parte do menu. Os meus prediletos foram o pastilha de queijo canastra com mel e o biscoito de cebola com creme de fígado com cachaça na amburana e jiló. Para o prato principal, escolhi a leitoa com compota de maça, purê de inhame e farofa crock e meu marido, ficou com papada de porco, mil-folhas de mandioca e pastel de batata doce. Como sobremesa, dividimos uma torta de chocolate, flor do sal, pimenta do reino e calda quente de caramelo. As duas experiências comprovam todos os merecidos prêmios que o chef tem recebido ano a ano.

Galeria da Praça

Galeria Tunga

Passamos o sábado em Inhotim. Escrever sobre esse museu é um convite para um festival de clichês. Um sonho. Um local inesquecível. Feito por Deus. Abençoado pela natureza - na verdade, pela genialidade de Burle Marx que trouxe a Mata Atlântica e todas as suas matizes para serem suporte de obras de artes contemporâneas estupendas. Depois da tragédia de Brumadinho - com o rompimento da barragem da Vale - os turistas fugiram da cidade. E só agora, cinco meses depois, o movimento começou a voltar ao normal. O dia 22 de junho bateu recorde de visitantes e mesmo assim, pegamos fila apenas na sala vermelha da galeria de Cildo Meirelles. Atualmente, Inhotim conta com 21 galerias e outras tantas obras em céu aberto totalizando mais de 170 em exposição. Para percorrer seus quase 100 hectares, é possível comprar um tiquete que dá direitos a carrinhos que circulam em rotas pré-determinadas ou caminhar a pé, podendo descansar em 98 bancos do designer Hugo França rodeados pelas 4.300 espécies diferentes de plantas. Um dia é muito pouco para tudo isso. Dá para se ter um ideia geral do acervo sem se aprofundar muito. Conseguimos cobrir cerca de 60%, pois ainda paramos para o almoço no restaurante Tamboril com serviço de buffet. A comida estava ótima mesmo às 15h30 e é tudo tão bem cuidado que o serviço é feito com louças Vista Alegre. Para comer a quilo, a opção é restaurante Oiticica. Há ainda, duas lanchonetes e reforço de food trucks para uma refeição rápida. Fica díficil fazer uma lista dos prediletos. Sempre acreditei que as obras tocam cada um de uma maneira especial e despertam sentidos diferentes. Posso citar Forty part Mote, de Janet Cardiff, onde se ouve de maneira separada 40 vozes; Cosmococa de Hélio Oiticica e Neville D'Almeida com suas salas interativas e lúdicas; o som do fundo da terra de Doug Aitken; a beleza e a força das fotos de Miguel Rio Branco e a galeria piscoativa do Tunga. Brumadinho está se reerguendo. O turismo é uma das formas mais rápidas disto acontecer. Por isso, aceite o convite da campanha feita pela prefeitura da cidade e confirme sua presença neste lugar mágico.
Forty part Mote, de Janet Cardiff
Fotos de Miguel Rio Branco 


Depois de tanta comida, bem-estar, banho de cultura, retomamos a estrada de volta ao Rio. Paramos em Congonhas para apreciar os doze profetas de Aleijadinho; um conjunto de esculturas em pedra-sabão feitas entre 1794 a 1804, localizadas no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
Mesmo com a grande preocupação de conservá-las devido ao material de que são feitas, as estátuas se encontram em um ambiente muito bem cuidado. A igreja principal e as seis capelas ao redor estão pintadas e o acervo ainda intacto. A basílica é um importante exemplar da arquitetura colonial brasileira, com uma rica decoração interna em talha dourada e pinturas. Momento de gratidão.

O almoço foi no RoseLanche. Uma parada conhecida em Barbacena pelos habituês da estrada. Repleto de caminhoneiros e turistas, o prato que tem mais saída é o sanduíche de filet no pão de queijo e o charutinho de queijo.

O ideal é fazer esse roteiro com um pouco mais de tempo. Mas não deixe de ir por falta dele. Qualquer dia passado nestes lugares, vale muito a pena. Acredite!





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